sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Segundas zé-ruelices ou a primeira grande cagada da viagem

Era uma vez uma montanha. No alto dela não havia um sábio nem um guru místico. Tampouco havia uma loira gostosa à espera de incautos viajantes. O que havia no alto da montanha era só e tão-somente o alto da montanha e uma vista que dizem ser deslumbrante.


É o que dizem, porque não a vimos. Explico-me.


O alto da montanha estava lá. Seu cume, além de tudo o que ela pode proporcionar aos olhos, também engendra naquele que pretende alcançá-la uma série de pequenos e encadeados atos, os quais geralmente acabem terminando da mesma como foram semeados. Se com boas intenções, bem; se com más, mal.


Ei-nos, pois, em em uma cidadezinha introjetada no meio da Cordilheira dos Andes, cercada por montanhas áridas e desertos inóspitos.

El Pisco, no entanto, não tem nada de árido nem de inóspito. Está mais para um oásis em meio ao clima adverso do norte chileno. Terra que dá origem à tradicional bebida andina (sem entrar em conflitos diplomáticos entre peruanos e chilenos) e onde se come sorvete de colpao (espécie de cáctus).


Desembarcamos na praça central de El Pisco lá pelo meio-dia, depois de quase 3 horas de viagem num micro-ônibus duvidável, pouco espaçoso e ao som da mais tosca de todas as cumbias. Até o Camilo enveredou a reclamar, à la Magoo, da música. Senti-me não tão culpado.





Antes mesmo de pisar no chão, eu já vinha pensando, deslumbrado pelas belezas do Valle de Elqui e arredores, em mais uma viagem para fazer: percorrer o Chile de norte a sul pela cidades interioranas de bicicleta. Imagino que meu amigo Piper, se tiver tempo, poderá juntar-se a mim.


O trajeto do micro-ônibus por entre os verdes vales das montanhas da Cordilheira iam me dando ideias, fazendo-me pensar que às vezes é preciso fazer viagens mais instintivas, mais conectadas à natureza e mais ousadas. Ousar mais… Leio isso em tudo quanto é livro que leio sobre personagens viajantes.


Guimarães Rosa já dizia, e estava certo: viver é perigoso!


Isso não quer dizer, porém, que devemos ousar além das nossas capacidades. Jaz aí o erro trágico, ponto determinante em todas as tragédias gregas. É, pois, quando o personagem principal comete um erro crasso, o qual sobrepassa suas capacidades e vai além do alcance das duas mãos. Em outras palavras, é a famosa CA-GA-DA!


Com tudo isso vinha eu na cabeça quando descemos do ônibus. Mal pisei no chão, olhei para o lado e vi uma montanha enorme alçando-se sobre nós, mostrando sua majestada e, por que não, peitando-nos e enfrentando-nos. Não me senti ultrajado, mas sim incentivado. Pensei: por que não subir uma dessas montanhas, uma mais fácil, e vislumbrar lá de cima todo o vale?



Informamo-nos e logo após o almoço partimos, com um companheiro alemão, montanha acima.








Em tese, segundo o local semibrasileiro-gaudério com quem nos inteiramos, que a brados demonstrava seus conhecimentos de português, a subida era simples e não levaria mais que duas horas. Outras duas para descer.


Perfeito. Chegaríamos lá de cima a tempo de tomar o último ônibus do dia.


Sem mais, pernas para que te quero!


O início da subida já se mostrou cheio de agrados aos olhos. Plantas e vinhedos por todos os lados. O contraste do verde com o bege seco da montanha perfazia um conjunto digno de nota.





Meia hora depois do início da subida, sobrevêm-me novamente aqueles mesmos pensamentos de quando estava no micro-ônibus: viajar é aprofundar-se em si mesmo; viajar é conhecer-se; viajar é dar-se oportunidade para tanto.


É óbvio que quando pensei nisso tudo não esperava que as coisas fossem terminar como terminaram.


AVISO aos leitores, mamães e Hernán: não se preocupem, tudo terminou bem. Estamos vivos. O pior foi o susto (risos).


Imerso nesses pensamentos, vi de relance um caminho encosta acima. Parecia-me um caminho perfeito, além do mais que a montanha não parecia tão íngreme quanto era.


Lancei-me em direção ao morro e fui subindo. Pé ante pé, mão ante mão. Já logo nos primeiros cinco metros fui assaltado por um espinho de cáctus enorme, que se cravou pelo menos um quarto de dedo no meu calcanhar. Por sobre a meia. Não acreditei quando vi. Tinha mesmo me espetado fundo. Arranquei o espinho e continuei subindo, com um pouco de dor no calcanhar. Atrás e abaixo de mim vinham entusiasmados o Camilo e o amigo alemão.


Levado pela adrenalina que trekkings assim me dão, fui guiando todos sem pensar muito no depois. Confesso: o erro foi meu. Faço aqui a minha mea culpa. Camilo e o alemão, talvez porque me viram subindo empolgado, subiram sem comentar muito.


Quando estávamos pela metade, acomodei-me para descansar. Vi os dois alcançando-me metros abaixo. Aproveitei o ensejo para bater umas fotos. 








Nisso, o Camilo me ultrapassou e continuou subindo. Foi só ao guardar novamente a máquina e olhar para o alemão, que fungava de cansaço, que pensei na descida.


Caramba, como é que vamos descer daqui?


Olhei para os lados, para baixo e finalmente me dei conta de que não havia nenhum caminho ou trilha. Estávamos subindo a montanha na raça, qual os primeiros indígenas da região. É claro que não estamos falando do Monte Everest, mas também não estou falando do morrinho ali de casa, que custo a subir de bicicleta. De 1 a 10, era uma montanha nível 3, que, diante de amadores como nós, tornou-se um 7 ou 8.


Foi quando atinei para o fato inevitável de que aquele não era o tal caminho fácil de que nos falaram. Se não era, por algum motivo tinha que não ser. Pensei novamente: e como é que vamos descer daqui?


Fiquei preocupado. Um leve sopro de medo tocou meus cabelos e em seguida vieram à minha mente as recordações de quando me perdi no Caminho do Itupava com o Piper em plena calada da noite. Foi sem dúvidas o dia em que mais tive medo na minha vida. Hoje em dia lembramos daquele dia com sorrisos no rosto, mas sei que passamos um aperto descomunal. O maior aprendizado que tirei daquela experiência foi que a primeira coisa que se tem que fazer numa situação dessas é não perder o controle sobre si mesmo e não se deixar tomar pelo nervosismo.


Tratei, pois, de fazer isso.


O alemão, a essa altura, já tinha começado a descer, finalmente fazendo juz as raízes cautelosas de seus ensinamentos – que ele decidiu nao ouvir quando comecou a nos seguir.


O Camilo, por outro lado, tinha continuado a subir, a ponto que mal podíamos nos falar mesmo que gritássemos. Com dificuldade e somente quando o vento dava uma trégua, discutimos nossa situação.


Logo, entre sinais e gestos e encostado em uma pedra meio bamba, Camilo comentou que não estava encontrando caminho para descer, sendo mais fácil continuar subindo e tentar a descida por outro lado (o cume parecia estar perto). Senti, em sua voz e por ver o suor empapando o seu chapéu, que ele estava nervoso.


Eu tampouco não tinha muita certeza de que podia descer sem problemas, mas também sabia que se me preocupasse não ia chegar muito longe. Ou melhor, ia chegar mais rápido ao chão. Sei que ele pensaria que eu tinha mais experiência em montanhas, afinal comecei a subida a passo decidido e sem olhar para trás. O que não sei se é se isso é verdade. Igualmente o importante nessas horas é transparecer que sim, muito embora talvez não.





Chegamos a um acordo e decidimos empreender a baixada – atitude mais honrosa do que esperar o resgate dos bombeiros andinos e mais prudente do que continuar subindo sabe-se lá quantos metros mais. Assim, aos poucos e com as dicas que ia lembrando dos tempos de Itupava, fui guiando a descida. Devemos ter levado quase hora e meia para descer, entre arbustos, cáctus e espinhos diversos.


Pisar novamente no chão e não sentir mais que era a montanha que tinha as rédeas da situação foi um alívio…





Eu nos repetia, tanto porque pensava como porque queria aliviar o momento, a frase-sabedoria do Guimarães Rosa: viver é perigoso. Às vezes, deparar-se com o perigo faz-nos lembrar que estamos vivos.


A isso agradeço(cemos)...








Resultado final da aventura: mãos esfoliadas, roupa completamente encardida, pó e espinhos por tudo quanto é lado e a sola de sapato do meu tênis completamente perdida. Tive que jogá-lo no lixo.













3 comentários:

Anônimo disse...

Horror !!! Qué experiencia fea.
Río, (verbo reir) para no llorar..-

Golpecitos compasivos en espaldas doloridas de los montañistas, desde bons ares.

Carolina Bagattolli disse...

Maluquetes! Ainda bem que não aconteceu nada grave.
Cuidem-se garotos, beijos...

Rafael - Guima Games disse...

Boa, encontrou a montanha esfoliadora de Tênis :D, pode ficar rico com o patrocinio da Nike e outras marcas :D

Passo 1: Sugerir botas anti espinhos de adamantium.
Passo 2: Sugerir elevadores e casinhas de venda de coca cola :D

Viver é perigoso dentro de casa :D
Muito bacana o relato.