terça-feira, 27 de novembro de 2007

Fangio y sus adeptos

Eu sou brasileiro e dirijo, você é brasileiro e dirige, nós somos brasileiros e dirigimos. O Senna era brasileiro e dirigia para caralhalho. No entanto, o maior deles, é pelos menos o que dizem, era argentino: Juan Manuel Fangio. Ele também dirigia.

Nascido em Balcarce, Argentina, em 1911, pentacampeão de Fórmula 1, e blá blá blá blá... Se não souberem quem foi o Fangio e quiserem se informar, cliquem aqui. Eu é que não vou ficar dando uma de papagaio. O fato é que o cidadão, pauta de nosso singelo post de hoje, é argentino. Por sê-lo e ter feito tudo o que fez (ganhar cinco vezes o campeonato da Fórmula 1), pode-se imaginar que ele sabia dirigir muito bem. Por ele dirigir muito bem, podemos pensar que ele vem de um lugar onde as pessoas dirigem muito bem, e por pensarmos que todas dirigem bem podemos pensar que na Argentina há ótimos motoristas.

Pém! Falso!

Aqueles que já tiverem tido o prazer de dar o ar de sua graça por estas terras rio-platenses sabem que não estou mentindo. Diria mais até: estou corretíssimo. Os argentinos dirigem mal pra porra! Querem provas? Vamos aos fatos.

Vamos supor que vossa senhoria saiu de casa hoje bem feliz e contente da vida. Está mais que disposto a ir até o mercadinho, comprar um vinho, uns quitutes e chamar uns amigos para virem jogar papo fora em casa. Que precisa fazer para isso acontecer? Antes de mais nada, ir ao mercado e comprar o vinho e quitutes. E que precisa fazer para ir até o mercado? Em geral, sair de casa, andar pela calçada e atravessar a rua. O que, na Argentina, é por si só uma aventura à parte.

Descendo à rua e tomando coragem para encarar o périplo, o que vossa senhoria vê?

  1. Uma monteira de carros velhos, batidos, mal cuidados e sujos abandonados pela rua;
  2. Um filho da puta estacionado em fila dupla, quando não na saída da garagem de alguém, bem despreocupado;
  3. Todos os carros do mundo virando numa esquina sem dar seta!;
  4. Todos os carros do mundo fazendo baliza, quando conseguem, com o pisca-alerta ligado;
  5. Buzinaço;
  6. Os ônibus vindo à toda, cortando todo mundo, não dando seta, buzinando para quem quer que seja;
  7. Os pedestres passando na faixa, sinal verde para eles, ao mesmo tempo que os carros que querem virar nessa esquina também estão avançando (o sinal também está verde para eles!);
  8. Mais buzinaço;
  9. Quase, e não há muitas exceções para isso, todos os carros estacionados tão mal, mas tão mal que dá para pôr uma cadeira entre o meio-fio e a lateral do carro;
  10. Uma infinidade de jeringonça do tempo do Epa rodando.

Vossa senhoria chega ao mercadinho, compra vosso vinho, quitutes e, com muita sorte, chega em casa sem muito espanto. Vossos amigos chegam, todos bebem e saem. Vossa senhoria os acompanha. Como ninguém tem carro, porque são tudo um bando de pé-rapado, pegam um táxi. O que vêem no táxi?

  1. O tachero (gíria para motorista de táxi) está fumando com a janela aberta e ouvindo o hino da Argentina no rádio;
  2. Há uma série de buracos no assoalho do carro, através dos quais dá para ver o pavimento passando;
  3. O excelentíssimo motorista anda por várias quadras, mesmo que a 80km/h, na segunda (ai que dor!);
  4. Para fazer a curva, ele põe a primeira (ai, meu rim já está ardendo);
  5. Feita a curva, volta à segunda e não sai mais dela;
  6. No semáforo, deixa o carro morrer;
  7. E, se der sorte, o carro fica sem diesel ou gás, porque carro a gasolina aqui é luxo.

A que conclusão se pode então chegar?

  1. Argentino, por mais que digam que sim, não sabe dirigir;
  2. Argentino não está nem aí para o seu carro;
  3. Argentino não dá seta mas sabe buzinar.

Sendo assim, proponho eu um protótipo de carro argentino do futuro: tudo o que um carro tenha normalmente, menos os retrovisores (porque não usam mesmo) e as setas e faróis (muitos não devem nem saber como ligar os faróis). Para compensar suas ausências e equilibrar o preço de venda, que ponham uma buzina mais potente e que ela tenha o som do hino da Argentina ou do Maradona dizendo: ¡Dale, pelotudo!

Obs.: Comecei a escrever uns textos de viagem para um blog francês. Se se interessarem, eis aqui o link para Histoires de Voyages. Lá, para se localizarem, eu sou o madelgado, e os dois textos que já publiquei são este e este.



sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Guinchos: o retorno

Não bastasse termos sido atacados na segunda-feira duas vezes (morcego-kamikaze 1 entrando pela janela do Camilo e morcego-kamikase 2 dando um rolê pela sala), fomos novamente atacados ontem por nossos incansáveis inimigos. Fíis duma santíssima madre!

A vítima desta segunda investida foi este corajoso aqui que vos fala. Devia de ser umas 19h. Havia sol ainda no céu, de forma que não tinha motivo para tais amigos estarem passeando por aí. Minha janela estava aberta e eu no computador estudando. De repente não mais que de repente ouço uns guinchinhos malditos e sinto algo passando por sobre a minha cabeça. Quando me viro para ver o que é, vejo uma coisa alada vindo diretamente sobre mim, com as asas abertas, uma cara feia da porra, guinchando e gritando e esperneando.

Muito corajoso, dou um grito de susto e saio pipocando do quarto. "Caraio, Camilo, um fíi da puta entrou no meu quarto". Camilo, sempre de prontidão, se levantou e veio ver o meu infortúnio. O fíi do cramunhão tinha pousado justamente sobre o meu travesseiro e estava ali mui tranqüilamente. Mais corajosamente do que antes, pegamos as roupas sujas que estavam na sala, dentro da mala que ia para a lavanderia, e jogamos uma peça perto dele para que ele se assustasse. O bicho levantou vôo num triz e começou a voar sem rumo. Nós, claro, sempre destemidos, fechamos a porta do meu quarto mais que rapidamente.

No corredor, nos olhamos um para o outro e eu disse: "Só tem um problema: a janela do meu quarto estava praticamente fechada e duvido muito que ele consiga sair por ela". "Puta merda, Shak", pragrejou Camilo. Tive que dar de ombros.

Abrimos então a porta do meu quarto e, com toda a algazarra que tínhamos feito, de fato aquele rato alado tinha voado. Detalhe: por ser mais burro que uma anta, ficou preso no vãozinho da janela, na fresta que havia entre o batente a janela, a qual eu tinha deixado para entrar um arzinho. Pensei: "Mas tu é burro, hein, sió morcego?". Pensei mais uma vez: "Bah, vou ter que abrir essa porra dessa janela para ele ir embora!". Protegido por uma toalha suja, me aproximei, a passos curtos e silenciosos, da janela e, com toda a agilidade que Deus não me deu, abri-a o mais rápido que pude e saí voando porta afora. E não foi que o bicho resolveu ficar ali paradinho onde já estava? "Mas vá ser burro assim lá na China, porra!".

Sem muito mais o que fazer, Camilo pegou o resto da roupa que tínhamos na mala e começou a jogar no bicho para ver se ele se dignava a sair voando. Primeiro foi o meu lençol. Imóvel o bicho. Depois uma camisa minha. Tampouco quis se mexer. Em seguida outra toalha. E nada do cramunhano mover um teco que fosse. Por fim, na quinta tentativa e já quase sem mais nenhuma peça de roupa à mão, ele se deu o trabalho de abrir as asas e sair voando janela afora. Primeira coisa que fiz? Sair correndo e fechar a janela do meu quarto, enquanto Camilo fechava todas as outras da casa!

E sim, se querem saber, estamos sendo bombardeados pelos inimigos, mas mesmo assim estamos resistindo muito bravamente com toda a coragem que nossas roupas sujas nos permitem.


segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Guinchos

As massas falaram! Vindas das profundezas, aonde só o cramunhão pode ir, vozes se pronunciaram em prol desta pequena e miserável brogúncia. Sim, os mais diversos rumores, uns mais doces, outros mais ríspidos, uns respeituosos, outros nem tanto, soltaram o verbo e deixaram seus comentários. Inúmeros, aliás, se comparados à zerice com que vinha vindo esse brogue que vos fala.

Alguns que nunca comentavam se fizeram ver por meio de suas palavras encorajadoras. Outros, os poucos que estão sempre presentes, quase se sentiram indignados pelo desabafo e ameaçaram e este que vos fala de morte: cartas-bomba, comentários-bomba, "Te pego na saída" e outras coisas do gênero de "Escreve aí, porra!". Mas eu, sempre inamovível da posição pacifista, pensei: "Não, são só delicadezas!"

Até que algo aconteceu em Cavalim. Um algo muito grave, que surpreendeu a todos. Foi no meio desta manhã. Os intrépidos brazuquins estavam em casa, cada qual em seu quarto fazendo suas coisas, quando, meio que procurando inspiração para levantar e preparar um chá, olho para o meu lado direito e vejo, qual um foguete, algo pequeno e preto se chocando com tudo contra a belíssima e muito bem pintada parede laranja do quarto do Camilo. Não mais que cinco segundos depois vejo o Camilo saltitando e saindo correndo quarto afora. "Caralho, puta merda, que porra é essa?", vitupera Camilo. Eu, da minha parte, sem entender muito bem o que estava acontecendo, me levanto. "Carai, um fiadaputa dum morcego entrou no meu quarto!", grita Camilo, que, sem saber o que fazer, olha para mim. Corajoso que sou para animais chupadores de sangue, agarro a porta e quero fechá-la. Com Camilo lá fora. Aí me lembro de meu amigo, pobre, coitado, à mercê daquele monstro alado, reabro a porta e o convido a entrar: "Entra aí, cara!".

Enquanto estou fechando a janela do meu quarto para que não queiram entrar, Camilonga de la Croix me diz: "Cara, e eu vi outro entrando zunindo pela sala!". "Puta merda!", penso eu, "Estamos sendo atacados!". Novamente. Mais uma vez. De volta. Infinitamente atacados! No momento pensei no maldito Pato-Perro, que devia estar só dando risada do nosso infortúnio.

Levados pela premência da situação, carregando duas toalhas e caminhando na ponta dos pés, cagados de medo (o nome disso é coragem, para quem não sabe), saímos dispostos a expulsar os inimigos voadores. Por sorte, já tinham partido. No entanto, ainda muito receosos e temerosos do pior, vasculhamos, qual duas patricinhas com medo de barata, o quarto do Camilo à procura do mortal oponente ou então em busca de algum rastro ou vestígio deixado por ele. Nada. Vasculhamos o banheiro e também nada. Fomos à sala e tampouco encontramos alguma coisa. Tinham ido embora. Deus é pai, não é padrasto! Rindo do ridículo da nossa situação, mas ainda com medo dos filhos de djanho, inspecionamos a casa novamente e mais uma vez não encontramos nada.

Foi neste momento que me caiu a ficha. Seria isso um ataque frontal e direto às nossas pessoas? Seria isso um ato terrorista de certos leitores insatisfeitos (não citarei nomes)? Seria isso um sinal divino, aconselhando-me a escrever e ao mesmo tempo já me dando o assunto do que escreveria? Dada minha consideração para com meus amigos e sempre acreditando que os Ursinhos Carinhosos podem trazer algo de bom para o mundo, optei pela última opção. E me sentei. E escrevi na tentativa de saciar todas as vontades, as dos mortais e a divina. E por fim pensei: ¡Murciélagos hijoputas!



quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Habemus lectoris

Quando toda a esperança já tinha praticamente acabado, forças ocultas surgem do nada e salvam a este pobre broguezim. Sim, confesso, tinha pensado em exterminá-lo em praça pública por padecer da ausência de comentários, o que me levava a crer, raciocínio mais que lógico, na total e absoluta inexistência de leitores. Muitas maneiras tinham sido elencadas para a execução:

1. Estripação em praça pública, para regojizo da plebe;
2. Enforcamento com direito a sordidez (detalhes a cargo de vossas férteis imaginações);
3. Atropelamento seguido de fuga;
4. Crime hediondo sem suspeitos (o crime perfeito);
5. Fechamento devido a difamação pública.

Eis aí as maneiras que eu tinha imaginado para dar cabo deste pobre e miserável brogue sem leitores. No entanto, como que por desígnio divino, vozes advindas do além, do inferno, do céu e de vossas terras tupiniquins se pronunciaram, clamando piedade por mais este desalmado. O brogue que estão lendo foi salvo pelo gongo.

Vozes até então desconhecidas saíram dos mais recônditos recônditos e se fizeram ver:

1. Camila, leitora chilena, que muito apreciou as presepices aqui escritas. Gracias, ¡che!;
2. Jacquie-o-rama, renascida das cinzas e agora acompanhada por sua fiel escudeira, Clarucha-Tartarucha;
3. Tissot, proprietário dos famosíssimos relógios suíços de mesmo nome, que, surpreendentemente, afirmou ser leitor desta pocilga que vos recebe. O prazer é nosso, caríssimo!;
4. Fá, que, também surpreendentemente, confessou ser leitora e culpada do crime de nunca deixar recados;

Outras vozes, que já sabia existir e que não deixam comentários, também se juntam a essa soma de só um algarismo:

5. Camilo, que nos últimos tempos resolveu sossegar o facho e deixou de ser El Turistón;
6. Sem-sorte, que está sempre aí na equipe de apoio;
7. Minha santa mãezinha. Pudera fosse também, porque se nem a minha mãe lesse acho que teria que enfiar a cabeça na privada e puxar a descarga;
8. Parça Brusquense, que lê sempre que pode lê esta brogúncia diretamente lá de Gibraltar;
9. Eu, porque sou obrigado a ler o que escrevo. Triste Fim de Magoo na Quaresma!

O agradecimento, pois, a todos estes leitores (inclusive eu) é enorme. Que sentido tem um texto se não há quem o leia? Pergunta a qual constantemente me fiz a mim mesmo durante este vácuo de comentários por que passou Bons Ares. Esta mesma pergunta suscitou inúmeras reflexões deste que vos fala acerca deste conjunto de letrinhas enfileiradas que comumente chamamos de texto.

Sim, comecei a entender um pouco mais o que sempre dizem os escritores, de que escrever é uma atividade solitária. Você, cheio de idéias na cabeça e ansioso para transmiti-las ao mundo, senta-se na sua cadeira preferida (no meu caso, na única que tenho, que, aliás, parece um toro mecânico, porque tenho que ficar me equilibrando em cima dela), de frente para seu instrumento de escrita (no meu caso novamente, um computador; sou tradicional e conservador demais para escrever a mão) e se põe a esboçar, rascunhar e organizar o que quer dizer. O tempo passa, as dificuldades se mostram, você as supera e por fim o texto se dá por terminado (sim, é o texto quem se termina, não eu que o termino). E taram! Pronto. Sorriso no rosto, um passo a mais dado rumo a LER e você solta seu texto no mundo à espera de que o leiam.

Neste momento, começa todo um processo distinto. Você se joga no vácuo à espera do que quer que seja. Será que farão muitos comentários? Será que aquela pessoa vai ler? O que será que aquele outro vai dizer? Será que não vão ler? Tudo passa pela sua cabeça, menos o que vai acontecer. Aí você começa a ficar preocupado com a perspectiva de não ser lido. Por sorte, neste momento, meus longos anos de estudo de filosofia me servem de algo e me fazem lembrar: que mesmo a negação e o nada ainda são alguma coisa. De forma que mesmo o não-comentário ou a ausência deles é uma resposta. É a inevitabilidade desta inefável realidade.

Ainda assim, no entanto, fica aquela dúvida no ar. E aí jaz uma das facetas da solidão. Você simplesmente não pode saber se leram ou não seu texto, quem leu, quando o leram, como o leram, se gostaram, se odiaram. Ou seja, fica sem saber nada. A única coisa que pode fazer é sentar, escrever outro texto e esperar que algo aconteça, mesmo que esse algo não seja nada.

Sendo assim, gostaria de agradecer a todos os que deixam seus comentários, a todos os que lêem mas não deixam comentários e a todos os que não lêem. Seja o que for que façam, muito obrigado.

E também gostaria de comunicar que a execução deste terém que estão lendo foi cancelada pelo bem de todos, mas sobretudo pelo do próprio brogue.